M-O-N-A
AMBIÊNCIAS DO AROUCHE


O território delimitado no Inventário Participativo não se restringe ao Largo do Arouche, pois a região concentra um conjunto de atividades e estabelecimentos ligados à sociabilidade LGBTQIA+, entre os quais bares, boates, cinemas, saunas, entre outros, e um conjunto de comércio e serviços complementares a esse uso, como hotéis, sex-shop e lojas especializadas na montagem drags (comércio de roupa e perucas). Trata-se de uma região singular da cidade para a comunidade LGBTQIA+. Assim, o território do Inventário Participativo abrange duas poligonais, uma mais central, chamada de área core (em roxo), e outra poligonal mais ampliada (vermelho), que foi definida como uma espécie de zona tampão. (vide mapa ao lado)
Mapa ilustrado

Mapa do território, em roxo, a área núcleo do inventário e, em vermelho, região do entorno. Fonte: elaborado pela equipe

Identificação



O Largo do Arouche é um espaço público que, na realidade, funciona como uma grande praça, composta por 5 áreas verdes que se encontram fragmentadas, formando uma poligonal de formato irregular. O Largo se estende desde os pés do Elevado, o Minhocão, até a Avenida São João.

O traçado do Largo do Arouche e sua da vegetação arbórea é tombado pelo CONPRESP, Resolução nº22 de 2016, sendo caracterizado pela preservação ambiental no zoneamento da cidade (Zepec-APPa). Atualmente, também se encontra em estudo de tombamento no CONDEPHAAT, caracterizando, assim, inequivocamente como um patrimônio cultural da cidade e da metrópole paulista.

ÁREA CORE (NÚCLEO)



Corresponde ao polígono principal no qual concentram-se as principais referências culturais ligadas ao tema do inventário. Essa é a área onde, historicamente, se concentrou as formas de sociabilidade e modos de ser vinculados aos grupos LGBTQIA+. Ela se constitui em uma poligonal que abraça o Largo do Arouche propriamente dito englobando ruas e avenidas que partem do Arouche em todas as direções, e que, ao longo da história, mantiveram o sentido e significado do Largo. Nesse caso, trata-se de um uso e de formas de apropriação que configuraram uma identidade para esse fragmento do espaço, ligada à pauta da diversidade sexual e de gênero.

Largo do Arouche. Foto: Simone Scifoni, 2018

Largo do Arouche. Foto: Simone Scifoni, 2018

ZONA TAMPÃO



Ela se constitui como uma área de entorno na qual se espraiam para várias direções as formas de sociabilidade, os usos e apropriação do espaço que se concentram historicamente na região do Arouche.

AMBIÊNCIAS



Em trabalho de campo, realizado durante o segundo semestre de 2021, a região do Arouche foi caracterizada em 8 ambiências urbanas distintas, a partir do exercício de deriva:
Ambiência 1: Largo do Arouche
Pela manhã: uso social (idosos com cadeiras na praça, famílias, gente passeando com cães). Área bem cuidada, com zeladoria urbana (caminhão da prefeitura). Ao meio dia, frequência de trabalhadores. Nas imediações, prédios novos e comércio mais chique.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 2: Largo do Arouche
Pedaço mal cuidado por falta de zeladoria urbana. Grande parte dos canteiros estão em terra batida, há presença de muito lixo e entulho. Local em que pessoas em situação de calçada residem, utilizando o bebedouro, localizado na lateral do Mercado das Flores, para beber água e, eventualmente, realizar higiene. Observada ausência de políticas públicas sociais efetivas que visam restaurar e preservar a dignidade humana de pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 3: Corredor de comércio central
Eixo das Avenidas Duque de Caxias e São João, com presença LGBTQIA+ a noite em estabelecimentos comerciais. Prédios antigos se misturam a novos edifícios de moradia. Há movimento intenso de carros.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 3a: Av. São João, mais popular
Local com presença de população em situação de calçada. Falta de manutenção nas calçadas, gerando problemas de mobilidade urbana, principalmente para pessoas com dificuldade de locomoção. Menor intensidade de trânsito. Há alguns estabelecimentos voltados para pessoas LGBTQIA+, como bar, cinema e cabine.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 4: Fluxo e contradições
Destaque para pensão, bares e restaurantes, voltados ao público LGBTQIA+. Presença de dependentes químicos em situação de calçada que ficam em grupos, principalmente, ao lado da academia.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 5: Rua Aurora, gentrificação
Bares e restaurantes e cabines voltados ao público LGBT. Presença de empreendimentos imobiliários novos, com maior presença de pessoas brancas, de classe média, sendo algumas pertencentes à comunidade LGBTQIA +. A rua Vieira de Carvalho é o principal ponto de circulação e empreendimentos comerciais voltados ao comércio LGBTQIA +.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 6: Rua do Arouche e imediações
Presença de comércio, moradia, estacionamentos que estão virando novos prédios residenciais. Forte presença comercial, incluindo bares e restaurantes voltados ao público LGBTQIA+.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 7: LGBTQIA+ em situação de calçada
Há concentração de pessoas LGBTQIA+ neste ponto e também no coreto da república, bem como debaixo do minhocão. Para algumas destas pessoas, Arouche é diferente de República (territórios distintos), sendo que a república é local de trabalho para prostituição e Arouche, local de lazer e sociabilidade.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Ambiência 8: Rego e Bento Gourmet
Presença de estabelecimentos comerciais gourmertizados, em contraste a outros lugares em conexão com o território, como hotéis, bares, baladas, inferninhos, cabines, assim como estabelecimentos voltados para público trans, como lojas de vestuário e salões de beleza. As ruas Bento Freitas e Rego Freitas e adjacências são pontos histŕorico de trabalho de travestis e mulheres trans.

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

Todas as Ambiências

Mapa síntese esquemático de trabalhos de campo em novembro de 2021. Fonte: elaborado pela equipe.

“Situado na área central da cidade de São Paulo, o Largo do Arouche acompanha os diferentes momentos da urbanização paulistana, desde seu nascimento junto à fronteira oeste da cidade até a sua modernização nos anos 1930, quando ganhou a sua configuração mais próxima da atual.

A origem do logradouro público encontra-se nas primeiras décadas do século XIX, momento em que a cidade iniciava sua expansão rumo oeste, em terras além Rio Anhangabaú onde existiam várias chácaras, propriedades de famílias abastadas. Entre elas, a Chácara do tenente-general José Arouche Rendon, advogado e militar, que também foi o encarregado de promover o arruamento dessa parte da cidade (RIBEIRO; CAMPOS, 2007). Foi ele que, no começo do século XIX, demarcou dois largos contíguos em formatos diferentes e destinados a exercícios militares.”



No mapa da Cidade de São Paulo e seus Subúrbios, de 1847, pode-se constatar o crescimento da cidade em direção à oeste, passando o Vale do Anhangabaú. No círculo, em vermelho, indica-se a localização do atual Largo do Arouche, que naquela época era conhecido como tanque do Arouche. Fonte: Arquivo Histórico Municipal, modificada pelos autores.



Nesse sentido, o largo tem sua origem situada naquela porção que foi chamada de “cidade nova”, termo utilizado pelos viajantes para diferenciá-la da “cidade velha”, o núcleo de ocupação inicial. A diferença apresentava-se na morfologia, já que a cidade nova era composta por um traçado mais regular, com quadras amplas e ruas mais largas e extensas. Segundo Matos (1954), ao longo do século XIX a cidade de São Paulo deixava de ser um burgo tranquilo, de aspecto colonial, transformando-se em um centro comercial, cheio de vida. Foi assim que, em fins de XIX, o logradouro público recebeu melhorias como calçamento e, em 1913, o nome oficial de Largo do Arouche, em homenagem ao tenente-coronel. Ao longo das duas primeiras décadas do novo século, essa parte oeste da cidade vivenciou um grande crescimento, com o parcelamento das antigas chácaras para usos urbanos, o que fez com que o Largo do Arouche deixasse de ser o limite final da cidade, à oeste.

A partir de 1930, entretanto, o Arouche já era outro, testemunhando as mudanças marcantes que se deram na cidade em função dos planos de modernização. A abertura e ampliação de vias, no âmbito do Plano de Avenidas de Prestes Maia, redirecionou o trânsito da cidade e resultou, também, em mudanças no largo para viabilizar a ampliação do trânsito de automóveis. O Arouche foi reformulado, ganhou ares europeus com passeios em traçado orgânico e amplos gramados, já que ele fazia parte, na década de 1930, dos trechos de terras mais nobres da cidade. Além de ser servido por modernas linhas de bondes elétricos, que circundavam seus jardins, estava próximo àquela que constituía a avenida central paulistana, a Av. São João, e aos bairros das classes abastadas como Higienópolis e Campos Elíseos.

Trecho do texto de Simone Scifoni e Helcio Beuclair (2021).


Planta de 1930, do Sara Brasil, onde já é possível notar, nesse momento, o crescimento e adensamento urbano da cidade. O Largo aparece ajardinado e remodelado com traçado orgânico. Fonte: reprodução GEOSAMPA.

Planta de 1930, do Sara Brasil, onde já é possível notar, nesse momento, o crescimento e adensamento urbano da cidade. O Largo aparece ajardinado e remodelado com traçado orgânico. Fonte: reprodução GEOSAMPA.




Além de sua modernização como logradouro público, outro marco dos anos 1930 no Arouche foi a instalação de um monumento em homenagem à principal liderança abolicionista em São Paulo, Luiz Gama. O busto esculpido em bronze foi resultado de uma campanha liderada pela imprensa negra paulistana, em particular pelo jornal Progresso. Luiz Gama foi advogado autodidata baiano que atuou na capital paulista consagrando-se pela libertação de inúmeros escravizados, sendo considerado liderança política e intelectual. O busto foi inaugurado em novembro de 1931, e seguido por um cortejo que foi do Largo do Arouche até seu túmulo no Cemitério da Consolação. O monumento é, assim, um marco simbólico para o movimento negro, que organiza essa mesma caminhada todos os anos (STUMPF; VELLOZO, 2018).

Busto de Luís Gama, situado no canteiro do Largo do Arouche. Fonte: Alessandro M. Shinoda/ reprodução Folha S. Paulo, 2020.

Busto de Luís Gama, situado no canteiro do Largo do Arouche. Fonte: Alessandro M. Shinoda/ reprodução Folha S. Paulo, 2020.


Ao longo das décadas do século XX, o Largo do Arouche foi se consolidando como um importante lugar de encontro, lazer e sociabilidade, não somente pelo uso do espaço público, mas também pelos equipamentos comerciais e de lazer que o circundam, como bares, boates e restaurantes. O marco da constituição dessas formas de sociabilidade foi a ocupação do espaço pelos grupos hoje representados na sigla LGBTQIA+. Isso se deu a partir de finais da década de 1970, como resultado da intensa perseguição e controle policial aos seus anteriores espaços de sociabilidade da cidade, o que provocava frequentes deslocamentos. Por conta disso, nos anos 1980, o Arouche se tornou o epicentro do chamado desbunde gay, expressão que na época designava a atitude de assumir-se homossexual ou sair do armário (PERLONGHER, 1987).


Há mais de 60 anos, o entorno do Largo do Arouche é ocupado pela comunidade LGBTQIA+. Os registros oficiais dessa ocupação são encontrados na esfera de segurança pública estatal, cujo objetivo descrito era de combate à criminalidade quando, de fato, era reprimir a comunidade, principalmente as travestis que ocupavam e ocupam até hoje parte das ruas próximas como Amaral Gurgel, Rego Freitas, Major Sertório e Marquês de Itu, e a Praça da República, para exercerem suas profissões como garotas de programa. Nos anos 1980, o Largo do Arouche foi marcado por batidas policiais, como a Operação Limpeza ou Richetti com enquadramentos, prisões arbitrárias, agressões físicas e verbais. A operação foi batizada com o nome do delegado que comandava a batida, José Wilson Richetti. Sobre essa violência, o “[...] relatório da Comissão da Verdade, em seu capítulo 7, atenta para as perseguições que aconteciam no local, principalmente focando nos grupos das travestis e transexuais, durante a ditadura militar. Na década de 1980, a região foi palco de uma manifestação de grupos de negros, feministas, estudantes contra a repressão em que culminaram com o grito "O Arouche é nosso!", demonstrando o uso plural e reprimido da região. Hoje, o Arouche ainda abriga a comunidade LGBT+, sendo um ponto de encontro de gays, lésbicas, travestis, transsexuais, góticos e qualquer um que queira explorar sua identidade vindos de diversas regiões da cidade, principalmente da periferia, mas também do interior do estado.” (REPEP, 2019)


O jornal Lampião, exemplar de  julho de 1980, denuncia os abusos e a violência da Operação Richetti, na área central da cidade.  À direita, manifestação realizada por 13 organizações contra a violência policial.

À esquerda, o jornal Lampião, exemplar de julho de 1980, denuncia os abusos e a violência da Operação Richetti, na área central da cidade. À direita, manifestação realizada por 13 organizações contra a violência policial. Fonte: Lampião, Fernando Uchoa/ reprodução Memorial da Democracia.




Referencias Bibliográficas:

BEUCLAIR, Helcio; SCIFONI, Simone. Largo do Arouche, São Paulo. Por um patrimônio LGBTQIAPD+ nacional. In: NAKAMUTA, Adriana (org.). Arte, cidade e patrimônio. Futuro e memória nas poéticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Automática Edições, 2021.

REPEP. Dossiê do Inventário Participativo Minhocão contra gentrificação. São Paulo, 2019. Disponível em: bit.ly/minhocaocontragentrificacao
O distrito da República onde se localiza o Largo do Arouche, nos últimos anos mostra uma tendência de crescimento da população moradora, revertendo aquele movimento anterior, iniciado em 1970 e até 2000, de esvaziamento populacional dos distritos da área central.

Os dados mais recentes disponíveis no Censo IBGE (2000-2010) mostram que a tendência de crescimento, nos últimos anos, tanto do número de domicílios (+ 27%), quanto da população moradora (+ 19%). Do ponto de vista da renda dos responsáveis pelos domicílios no distrito da República observa-se, nos dados disponíveis, um movimento de ampliação de população nos estratos de renda mais baixos, que passou nos últimos 10 anos (2000 a 2010) a predominar como população moradora. Isso significa que o distrito assumiu um perfil mais popular, com predominância de 52% de responsáveis por domicílio com renda de até 5 salários-mínimos (sendo 14,8% até 2 salários-mínimos e 36,8% de 2 a 5 salários-mínimos). Esse fortalecimento de um perfil mais popular para o distrito é acompanhado pela redução da porcentagem dos que ganham mais de 5 salários-mínimos, que passou de 76% para 48%, de 2000 a 2010.

Seria fundamental para entender o que acontece hoje no distrito, do ponto de vista socioeconômico, dados atuais que pudessem ser indicativos para comparar se permanece ou se modifica essa tendência apresentada nos dois casos analisados, tanto o crescimento da população moradora como um perfil majoritariamente popular para o distrito. Entretanto, a não realização do censo IBGE para 2020 prejudica essa leitura.

Dados complementares, sobre o lançamento de imóveis verticais (apartamentos) no período 2006 a 2017, mostram que o distrito da República é uma das áreas que concentram esses lançamentos. Em comparação com os demais distritos da subprefeitura da Sé, a República foi o distrito que teve o maior número de lançamentos de apartamentos no período mais recente. (Fonte: Informes Urbanos nº. 33, maio de 2018).

Em relação ao tipo de empreendimento lançado, o estudo da Prefeitura aponta apartamentos pequenos, com média de 40 m2 e único cômodo, chamados de studios ou loft. (Fonte: Informes Urbanos nº. 34, agosto de 2018)

Ainda para esse mesmo período, segundo dados da Prefeitura observa-se a queda no número dos imóveis vazios na área central, caindo para mais da metade, ou seja, de uma taxa de vacância de 25% em 2000 para 10,3% em 2010.

Esses dados mais recentes e complementares indicam um novo interesse imobiliário no distrito da República que tem levado ao crescimento de população moradora, mas provavelmente com um novo perfil, já que se trata de aquisição de imóveis novos, trazendo em consequência um impacto de elevação dos preços dos aluguéis, o que leva, portanto, a expulsão de população moradora mais pobre. Tem-se, assim, evidências de processo de gentrificação no distrito da República.


Referencias Bibliográficas:

BEUCLAIR, Helcio; SCIFONI, Simone. Largo do Arouche, São Paulo. Por um patrimônio LGBTQIAPD+ nacional. In: NAKAMUTA, Adriana (org.). Arte, cidade e patrimônio. Futuro e memória nas poéticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Automática Edições, 2021.

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Informes Urbanos nº. 33, maio de 2018.

_______. Informes Urbanos nº 34, agosto de 2018.

Mapa referências culturais




Mapa ilustrado




Mapa ilustrado

Faça download do mapa ilustrado aqui

download