M-O-N-A

Ficha de referência cultural

DELEGACIA SECCIONAL DE POLÍCIA CENTRO

Categoria: Edificações

Onde está: Rua Aurora, 322

Manifestação contra os Rondões do delegado José Wilson Richetti, responsável pela delegacia Seccional de Polícia Centro, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, que ocorreu em 13 de junho de 1980. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo/ Reprodução Memorial da Resistência.

Manifestação contra os Rondões do delegado José Wilson Richetti, responsável pela delegacia Seccional de Polícia Centro, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, que ocorreu em 13 de junho de 1980. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo/ Reprodução Memorial da Resistência.

Sobre

A delegacia é símbolo da perseguição policial e da violência do Estado Ditatorial aos grupos LGBTQIA+ e grupos vulneráveis e estigmatizados durante a Ditadura Militar. Foi neste lugar que, com respaldo da Secretaria de Segurança Pública, sob coordenação do coronel Erasmo Dias e durante governo de Paulo Maluf (1979-1982), o delegado José Wilson Richetti comandou a intensificação de rondas policiais na região central de São Paulo para “limpar a cidade dos assaltantes, prostitutas, traficantes, homossexuais e desocupados” (TREVISAN, 1980). A ação conhecida como “Operação Limpeza” prendia pessoas nas ruas, em especial travestis, e em estabelecimentos frequentados pelos grupos LGBTQIA+ que, após serem presos na delegacia, foram extorquidas e/ou sofreram torturas. Segundo apurado no relatório da Comissão da Verdade, por dia foram levadas à delegacia de 300 a 500 pessoas.

Com o golpe militar de 1964, ampliaram-se as forças de controle social por parte da polícia. Com a promulgação do Ato Institucional N. 5 (AI-5) e a suspensão do habeas corpus, ficou mais fácil para as autoridades o encarceramento. Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (BRASIL, 2014), o comportamento fora dos valores tradicionais eram vistos pelos militares como formas de subversão, parte da conspiração comunista que, na ideologia do Estado, ameaçava a segurança nacional.

Como parte do controle social, o Estado organizou ações de repressão e reclusão para “limpar” o centro da cidade dos indesejados: homossexuais, prostitutas e travestis. Segundo a ativista Neon Cunha, quando ela chegou às ruas em 1982 já havia um “burburinho” nas ruas sobre os chamados rondões. Em 1986 e 1987, tais ações já eram parte da rotina. Durante a gestão de Paulo Maluf (1979-1982) as ações ostensivas de policiamento (civil e militar) se intensificaram, comandadas pelo delegado Wilson Richetti, personagem que hoje dá nome à delegacia. O método de Richetti era, principalmente, fazer batidas em locais frequentados pelo público alvo. A arbitrariedade das rondas era tamanha que a operação Sapatão, centrada em bares frequentados por lésbicas como o Ferro's Bar, Bixiguinha e Cachação, enclausurou mulheres sob o argumento de “você é sapatão” (BRASIL, 2014).

A Operação Tarântula, em 1987, mirou as travestis, tendo como pretexto o controle da Aids. Há relatos de execução sumária e cruel violência sexual contra travestis (PONTE JORNALISMO, s/d). Para se protegerem dos policiais, as travestis desenvolveram uma estratégia de proteção que consistia em esconder uma lâmina de barbear na boca e, na ameaça de um policial, cortar os braços. O sangue escorrendo de seus membros mutilados afastaria os policiais, com medo do HIV.

A repressão e a violência eram tamanha que, mesmo com o sistema opressivo estatal, um grupo de cerca de 100 prostitutas resolveram enfrentar o aparato policial e realizaram, em 1979, um protesto contra a violência policial. O ato foi finalizado em frente à Delegacia Seccional de Polícia (QUINALHA, 2017). Depois disso, em retaliação, as rondas se tornaram mais intensas. Em 13 de junho de 1980, em frente ao Theatro Municipal, um outro ato pediu a destituição de Richetti do comando da delegacia: "Exigimos a imediata destituição do Sr. José Wilson Richetti, o responsável direto pela barbárie. Exigimos também a abertura de uma sindicância para apurar as responsabilidades." (Memorial, s.d). O grupo era formado por ativistas homossexuais, feministas e negros, de quase mil pessoas que corajosamente se opunha à ordem imposta pela polícia. Entre gritos, rumaram pela avenida São João até o Largo do Arouche com gritos "Ada, ada, ada, Richetti é despeitada" e "Abaixo o subemprego, mais trabalho para o negro".

Com a redemocratização a partir de 1985 e o avanço das pautas LGBTQIA+ no Brasil nas últimas décadas, é certo que o discurso das polícias tem mudado. Contudo, os relatos de discriminação e abusos voltados à comunidade jamais cessaram. De fato, ainda persistem apologias à repressão pelas mãos da polícia e casos de abusos perpetrados por esses agentes da Lei são comumente noticiados. Atualmente, o Ministério Público investiga casos de extorsão de comerciantes no centro executado por policiais civis lotados na Delegacia Seccional do Centro (Ponte Jornalismo, 2022). Esse caso exemplifica como o autoritarismo, a distorção das leis e o abuso do poder jamais deixaram as instituições de policiamento e vigilância civil.

Em 1989, na incipiente democracia brasileira, um deputado estadual encaminhou um Projeto de Lei para nomear a delegacia Seccional do Centro de “Dr. José Wilson Richetti”. O projeto foi aprovado pela Lei nº 7.076 de 30 de abril de 1991 e ainda permanece como nome oficial da delegacia. Propostas para alteração do nome da delegacia existem, mas ainda não foram contempladas. A manutenção desse nome é um aparato repressivo e que perpetua estruturalmente a memória de opressores e torturadores. O Relatório da Comissão da Verdade indica que a denominação de “Dr. José Wilson Richetti” dada à Delegacia Seccional de Polícia Centro seja revogada e que na delegacia seja construído um espaço de memória dos segmentos LGBTQIA+ ligados à repressão e à resistência durante a ditadura.

  • Carta exigindo a imediata destituição do delegado Richetti, bem como o fim da violência policial e da discriminação racial e sexual, organizada pelos movimentos sociais em ato feito em 1980 contra a Operação Limpeza. Memorial da Democracia

    Carta exigindo a imediata destituição do delegado Richetti, bem como o fim da violência policial e da discriminação racial e sexual, organizada pelos movimentos sociais em ato feito em 1980 contra a Operação Limpeza. Memorial da Democracia

  • Mulheres lésbicas no Ato de 13 de junho de 1980 contra os rondões do delegado José Wilson Richetti. Acervo James Green/ Reprodução Memorial da Resistência

    Mulheres lésbicas no Ato de 13 de junho de 1980 contra os rondões do delegado José Wilson Richetti. Acervo James Green/ Reprodução Memorial da Resistência

  • Participação do movimento negro contra violência policial em 1980. Memorial da Democracia

    Participação do movimento negro contra violência policial em 1980. Memorial da Democracia

  • Foto intitulada 'Prisão de travesti', de Juca Martins. Reprodução SP-Arte, 2019

    Foto intitulada "Prisão de travesti", de Juca Martins. Reprodução SP-Arte, 2019

Fontes de pesquisa

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos / Comissão Nacional da Verdade. Brasília, 2014.

GUMIERI, Julia; Arouca, Leonardo; QUINALHA, Renan. Orgulho e resistências: LGBT na ditadura. São Paulo: Memorial da Resistência de São Paulo, 2020. (catálogo de exposição)

JOZINO, Josimar: Policiais civis da 1ª Seccional são acusados de extorquir lojistas no centro de SP. Ponte Jornalismo, abril 2019. Acesse aqui

MANCINI, Rose. Do outro lado do Mappin, mesmo com chuva. Um Outro Olhar. 2012. Acesse aqui

MATHEUS Mazzafera. Neon Cunha: perseguição LGBTQIA+ na Ditadura Militar!!!. Acesse aqui

MEMORIAL da Democracia. LGBT e prostitutas denunciam violência, s.d. Acesse aqui

MEMORIAL da Resistência. José Wilson Richetti. Acesse aqui

PONTE JORNALISMO. Pluralidades, Ep. 6: Neon Cunha. Acesse aqui

QUINALHA, Renan H. Contra a moral e os bons costumes: A política sexual da ditadura brasileira (1964-1988). Instituto de Relações Internacionais-USP. São Paulo, 2017

GONÇALVES, Maria Eugenia. Operação Tarântula e os "rondões" contra trans e travestis durante a Ditadura Militar, Revista Híbrida, s.d. Acesse aqui

TURCHI, João. Quero uma Anita Silva para presidente. Opinião SP-Arte, 2019. Acesse aqui

OUTRAS REFERÊNCIAS CULTURAIS RELACIONADAS
Calendário LGBTQIA+, Ruas de trabalho