Ficha de referência cultural
Imagem de celebração dos 34 anos do Geledés. Fonte: Geledés.
O Geledés, Instituto da Mulher Negra é uma organização da sociedade civil criado em defesa de
mulheres e negros para o combate as desvantagens e discriminações no acesso às oportunidades
sociais em função do racismo e do sexismo vigentes na sociedade brasileira. Desta forma, se
constrói uma agenda com ações do âmbito educacional e dos direitos humanos, sempre em defesa dos
direitos de cidadania. A instituição foi fundada em 1988 por Sueli Carneiro, escritora, filósofa e
ativista negra brasileira. Surgiu como um ambiente capaz de proporcionar acolhimento a membros da
comunidade negra, incluindo mulheres lésbicas, bissexuais e transsexuais por meio do acompanhamento
de pautas e a participação ativa, promovendo a ocupação do espaço, discussão das vivências e a
garantia de direitos LGBTQIA+. Desde 2003 sua sede está no centro de São Paulo, o que fortalece as
ações da instituição e facilita o acesso do público.
A criação do Geledés em 1988 ocorreu a partir de um grupo de mulheres negras, lideradas por Sueli
Carneiro, que estavam organizadas em torno da atuação na luta por direitos das mulheres, da
população negra e, mais especificamente, de mulheres negras e suas particularidades. Os direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres negras e a visibilidade da luta contra o racismo foram os
primeiros temas que nortearam suas ações. Em um primeiro momento, a organização se localizava no
bairro da Liberdade. Foi apenas em 2003 que a sede mudou-se para o centro da cidade de São Paulo.
Essa mudança foi considerada importante para as pessoas que constituem o instituto, pois passava a
se encontrar em uma área de fácil acesso para a população negra e também próxima dos órgãos
jurídicos, com os quais dialogava nessa luta por direitos. Tensionar e manter-se nesse espaço,
segundo Suelaine, é resistir.
Neon Cunha, ativista, publicitária, diretora de arte, mulher negra e trans participou de várias
ações do Geledés, como as ações realizadas em 2018: a Marcha das Mulheres Negras e a mesa de debate
“Mulheres em luta – ontem e sempre”. Esse último evento ocorreu em virtude da
comemoração dos 30 anos do Geledés. Na ocasião também foi feita uma homenagem a Cidinha da Silva,
escritora negra e lésbica, que foi presidente do Geledés entre os anos 2000 e 2002. Em entrevistas,
Neon expõe a relação entre ser e existir enquanto mulher negra e trans, ressaltando a importância
das culturas de matriz africanas na proteção e na existência dos corpos:
Saber que foi nos terreiros de matriz africanas que me antecederam, que me deram a garantia de que eu sou uma mulher. Sabe, que me fizeram entender com mais amplitude e oxalá. Oxalá! Essa terra tivesse sido se constituído na matriz africana para as pessoas trans seria muito mais fácil… Porque se Orixá diz que o corpo é instrumento de uma força invisível, dá para dizer que o corpo é instrumento do gênero e que o gênero é essa força invisível que nos conduz, lutando pelo nosso reconhecimento e pela única certeza que nós temos, a única certeza de que nós somos, quem nós somos. (Cunha, 2022).
Nesse sentido, Neon relata que quando o direito ao afeto e os direitos sociais de mulheres trans e
travesti são analisados na perspectiva do recorte racial, essas conquistas são apenas para as
brancas: “muitas vezes, a travesti branca ocupa um lugar que a mulher negra, seja cis ou trans, não
ocupa” (Cunha, 2022). A ativista conta que participou da Marcha das Mulheres Negras a convite de
Nilza Iraci, coordenadora do Geledés na época, cuja história de vida se assemelha à dela. E foi
justamente no encontro entre mulheres negras que Neon ampliou sua força e existência:
É nele [núcleo de mulheres negras] em que são discutidas as identidades de gênero. Então chegar nesse lugar em que uma outra condição é repensada, acolhida e, de certa forma, vivenciada, faz com que haja uma respeitabilidade em que não encontrei em outros lugares. Nesse lugar não falam em trans como exclusão, mas reconhecem a trans como um processo que precisa ser identificado, acolhido, respeitado e trabalhado, para que não sejam reproduzidas as opressões. Então, nesse grupo, elas dizem que eu trago além da pauta da mulher negra, a questão da transgeneridade. Então, nesse espaço eu me permito e permito o reconhecimento identitário, porque existe acima de tudo acolhimento dessa dor da abjeção. Ali a trans é tratada com o máximo respeito. (Melo, 2019).
Nos dias de hoje, a instituição debate muito sobre a relação da educação com as lutas por direitos.
A partir desse novo desafio, projetos como o de formação de professores dentro do debate racial e de
gênero foram criados. Alguns projetos dessa organização foram essenciais para que esta se tornasse
uma referência tão importante no debate sobre a luta das mulheres e da população negra.
O projeto Promotoras Legais Populares (PLP), que tem como objetivo levar informações para mulheres
em áreas da cidade mais vulneráveis e com menor presença do Estados. O objetivo do PLP é que essas
mulheres, muitas vezes lideranças em suas comunidades, se apropriem e conheçam com maior propriedade
os seus direitos, tendo mais ferramentas para lidar com situações de violência vividas pelas pessoas
em seu entorno. Outro exemplo é o projeto Geração 21, que tinha como objetivo tornar possível a
entrada e permanência de 21 jovens negros na universidade. Esse projeto teve início em 1999, o que
torna o Geledés a primeira instituição a fazer um projeto de ação afirmativa no Brasil. Além
de acender o debate sobre a falta de negros e negras nas universidades, essa iniciativa também foi
importante para que outras ações futuras viessem à tona, tais como as cotas estabelecidas pelo
Governo Federal para as universidades. Já o projeto SOS Racismo, que trabalhava com a ideia de
viabilizar as denúncias de racismo em São Paulo. Por mais que seja institucionalmente ilegal, o
Geledés avalia uma falha no governo na instituição prática dessa lei. Esse projeto foi
significativo na medida em que influenciou a criação de uma delegacia pública de atendimento às
denúncias de racismo.
Muitos saberes são transmitidos pelos cursos e atividades oferecidos e incentivados pelo Geledés.
Por outro lado, também existe uma atuação importante nas redes sociais. O portal online tem grande
visibilidade e é referência nas discussões raciais e de gênero. No site, são publicados textos que
discutem tais temas e também denúncias de violações aos direitos humanos. Em 2022, o Geledés
comemora 34 anos de atividade. A data foi celebrada com retorno ao trabalho presencial e a
inauguração do Centro de Documentação e Memória Institucional, uma ação importante na luta pelos
direitos humanos e na preservação da história da luta negra no Brasil.
Entrevista com Neon Cunha, realizada em junho de 2022.
GELEDÉS Instituto Da Mulher Negra. Mulher negra. Caderno IV. Edição Comemorativa de 23 anos. São Paulo: 1993.
MELO, Kátia. “Ser líder negra é ser infinita, como toda grande força”, diz Neon Cunha. Portal Geledés, São Paulo, 28 jan. 2019. Geledés no Debate. Acesse aqui
SILVA, Cidinha. Geledés: 30 anos de História! Por Cidinha da Silva. Portal Geledés, 03 mai. 2018. Geledés 30 anos. Acesse aqui
OUTRAS REFERÊNCIAS CULTURAIS RELACIONADAS
Associativismo comunitário, Aparelha Luzia, Ocupação em Arte e Cultura LGBTQIA+